Um estudo sociológico esta semana apresentado na comissão parlamentar de Educação revela que a discriminação social é uma prática sistemática na escola pública portuguesa. Segundo um dos autores, o sociólogo João Sebastião, é prática instituída em algumas das escolas estudadas (em Lisboa, designadamente) usar-se como critério, quando da constituição das turmas, o histórico de sucesso ou insucesso dos alunos. Ou seja: os melhores alunos são integrados nas turmas da manhã, os piores nas da tarde. Mas diz-se mais e pior. Muitas destas escolas, fazendo muitas vezes uso de expedientes burocrático-administrativos, recusam sistematicamente matricular jovens cujo cadastro escolar se revela indigno dos seus pergaminhos. Resultado: sendo-lhes inexequível (e somente por isso, ao que parece), numa primeira linha, seleccionar os seus alunos por via da capacidade financeira dos seus progenitores, à semelhança dos colégios privados, algumas escolas públicas optam deliberadamente por fazê-lo com base no seu desempenho escolar passado ou, até, de acordo com a sua (suspeita?) proveniência geográfica.
As iniquidades e distorções sociais sinalizadas neste estudo - que logo inflamaram algumas úlceras nervosas na corporação dos docentes - denunciam (com a necessária mediação jornalística, claro está) algumas das patologias organizativas do sistema educativo nacional e tresandam inapelavelmente a inconstitucionalidade. Mas não constituem, para qualquer ex-aluno do ensino público, novidade. Digo-o com a autoridade de quem, aquando do ingresso no então ensino preparatório, viveu a angústia dos pais, trabalhadores executantes, quando viram a matrícula do filho, depois de proposta na escola do seu bairro de residência, administrativamente remetida para a escola...da sua área de residência, a cerca de 3 km de distância de casa. E afirmo-o com o conhecimento de quem, já na escola secundária da sua área de residência, foi aluno privilegiado de uma turma execepcional onde (até não) se destacavam duas filhas de professores da mesma escola e onde os professores mais "apaixonados" eram subtilmente aconselhados a maior moderação (canónica). Isto na década de 80 e na capital da nação.
Hoje, à distância que só a idade da paternidade permite, não sei em que medida ambas as experiências marcaram o meu percurso académico - o puto que temia a hora do recreio seria o mesmo se não tivesse conhecido o Sandro ou o Ângelo, bons-malandros à deriva entre baldas e fugas da Casa Pia? O aluno relutante que eu era seria o mesmo se não tivesse tido professores como o Chico Carreira, que declamava Yeats sentado no meio da sala, ou como o "Tintin", que exultava de paixão com a filosofia de Anaximandro e fazia greve convocando os alunos para a assistir a documentários de Carl Sagan? Sei apenas que se a escola selectiva significou, para mim, segurança e saber, a escola asselectiva significou solidariedade e auto-consciência. Mas sei acima de tudo que o que uma escola não me deu a outra não me negou, e o que uma me deu a ver a outra não me mostrou.
E sei - sabemos - que os muros, sejam eles de betão, políticos ou culturais, se protegem, também escondem e impedem de ver.
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