Gosto de Maria de Lurdes Rodrigues. Aprecio a sua determinação e a fina resiliência com que tem executado a sua partitura num piano que a maioria dos seus antecessores sempre pareceu carregar. Enfrentou a corporação docente (a mais numerosa e acomodada da Administração Pública), resistiu aos ventos da contestação sindical sem tergiversar nem perder a compostura (nem a permanente), não vacilou perante as críticas e tem demonstrado verdadeiramente querer recentrar a Educação naquilo que é a sua essência e fundamento: o aluno.
Conduziu mal o caso Charrua, é certo (surpreendida pelo estalinistmo duma aparatchik do aparelho socialista, agiu tarde e acabou por apagar o borrão com uma borracha); não se viram ainda melhorias nos resultados escolares, é verdade (os rankings são mais um exercício de masoquismo nacional do que um estímulo para as escolas e a taxa de abandono escolar continua uma espécie de cifra negra); e o desnorte e a indisciplina graçam na comunidade escolar - sem que se prevejam grandes melhoras, com este novo estatuto do aluno (que não será mais que uma versão menos permissiva das teorias do bom-selvagem).
Mas as empatias, tal como as antipatias, nem sempre resistem a explicações, e a senhora ministra, sempre delicada e segura, lá foi conseguindo manter-se à altura das minhas (já baixissimas) expectativas.
Mas como é da natureza deste género de idílios entre governantes e governados, há um dia em que um gesto trai a pintura e, quando assim é, ensina a história que o traído é sempre o governado. E Maria de Lurdes Rodrigues não escapou à regra.
Esta semana, soube-se que, a pretexto de possibilitar uma maior integração dos jovens deficientes, o Ministério da Educação (para já, por via da DREL) começou a rejeitar o encaminhamento (e, consequentemente, o apoio financeiro) de crianças com algumas tipologias de deficiência para escolas de ensino especial, como até agora acontecia, estando a remetê-las para o ensino regular, sem que estejam garantidas as condições pedagógicas (nem todas as escolas dispõe ainda de professores suficientes para acompanhar estas crianças) e logísticas para o efeito.
De acordo com os pais, a culpa é da ambiguidade da nova lei que, de forma quase inintelegível, define alunos com deficiências particulares como aqueles «Alunos com limitações significativas ao nível da actividade e da participação num ou vários domínios da vida decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de caracter permanente .» Na opinião da ministra da Educação, as novas regras visam possibilitar uma maior integração das crianças com deficiência no sistema escolar e não restringir o acesso ao apoio estatal.
Como qualquer admirador traído, tentando ainda perscrutar alguma bondade nas intenções da senhora ministra, eu diria que esta nova lei, ao contrário do que é dito por pais e professores, não restringe, de todo, o âmbito pessoal da sua aplicação. Antes pelo contrário. A meu ver, a nova lei é até (perigosamente) susceptível de abranger alguns sectores sociais até agora não contemplados. É que se o critério é ter-se limitações sinificativas ao nível da actividade e da participação, o risco de termos a maioria dos nossos deputados a proporem-se beneficiários elegíveis é altíssimo; e mais, se essas limitações decorrerem de alterações funcionais e estruturais, de carácter permanente, então não faltará muito para vermos alguns ex-boys desempregados acorrerem à 5 de Outubro a candidatarem-se. Porquanto, meus amigos, justiça seja (apesar de tudo) feita a esta ministra: se de alguma coisa padece esta lei, não será, certamente, de restritividade, mas sim de excepcional generosidade. Bem-haja, senhora ministra. Talvez ainda haja esperança para nós - já não digo uma esperança regular, mas suplectiva como o ensino da música com que parece querer acabar nos conservatórios.
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