sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

Artistas da noite & Cª, Lda

A fraude à lei, se já era uma prática socialmente aceite no nosso país, parece agora também ter encontrado uma fonte de legitimação (e de promoção) institucional, em algumas organizações associativas portuguesas.
A associção dos empresários da noite da zona histórica do Porto (ABZHP) vai propor aos seus associados a conversão dos seus estabelecimentos comerciais em associações culturais e recreativas, como meio de contornar as limitações da lei do tabaco. Por sua vez, a associação das famílias numerosas (APFN) tem vindo, nos últimos tempos, a difundir a ideia de que o divórcio é fiscalmente compensador. Outros exemplos haveria para ilustrar a nossa vocação escapista (desde a supersónica atribuição da nacionalidade portuguesa ao Deco para poder integrar a Selecção à oportuna perna (ou braço?) engessada do deputado Preto), mas estes, pelo seu perfil pró-institucional, oferecem particular interesse - e gravidade. Pois se na maioria dos casos a habilidadezinha jurídico-interpretativa só funciona sob a máxima discrição, oculta na verborreia dos requerimentos e escudada no segundo segmento da alínea tal do nº tal do artº tal, nestes casos a fraude goza de tempos promocionais na televisão e não se embaraça em sofisticações técnico-jurídicas. Se a ideia da ABZHP pega, porque não estender à Assembleia da República o estatuto de associação recreativa? Ou se é um facto que quem vive em união de facto paga menos de irs do que quem optou por casar, porque é que a APFN ainda não criou uma espécie de "pacote-divórcio", com facilidades para associados: divorciar e poupar só na APFN!

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

P.S.D.

Ao ler o post de Rogério Casanova, no blogue Pastoral Portuguesa, sobre Barak Obama e Hillary Clinton, em que este, num exercício de ironia e anagramática, ridiculariza os discursos programáticos dos dois candidatos democratas às presidenciais norte-americanas, não resisti a vir aqui pespegar uma gracinha idêntica, sobre o caso do financiamento ilegal do PSD. Afinal, tanto a sigla oficial do financiado como a designação comercial da financiadora apresentavam-se de tal maneira a jeito que, tomado por pulsão jocosa, dei por mim a agradecer a Santana por o "seu" PPD nunca ter vingado - e afadiguei-me a engendrar qualquer coisa do estilo: PSD: Partido Somague Democrata ou Partido da Somague e do Diogo.
Mas a imaginação não é muita e o gozo durou pouco - até ler as últimas sobre o caso.
Segundo o Público, a empresa (Novodesign) a quem a SOMAGUE pagou o new look institucional do PSD, também terá trabalhado para o PS e para o CDS/PP. Ainda assim, o furor anagramático mantinha-se (pois curiosamente todos os partidos visados perfilharam aquele caractere (bem como a sua cada vez mais indiferenciada (in)significante ideológica) na sua nomenclatura). Mas a piada esvaziou-se quando percebi que, afinal, a letra que mais parece aparecer nas contas destes partidos e de diversas empresas públicas ou semi-públicas nacionais (TAP, CTT, GALP, RTP) não é a S de SOMAGUE, mas a C, de Carlos Coelho, antigo fundador da Novodesign (entretanto alegadamente afastado pelos restantes accionistas) e actual "promotor, activista e trabalhor do Compromisso Portugal", grupo de reflexão (pseudo) política onde pontificam figuras como o patriota Diogo Vaz Guedes (ex-SOMAGUE) e António Mexia (actual boss da EDP e ex-ministro com a tutela, entre outras, da GALP). Apetece perguntar, não com s mas com c: Cheira não Cheira?

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

A (quase) assessora de Reinado

Que a realidade supera a ficção, já todos sabíamos; que Timor é um Estado que muitos querem de ficção, há muito que se suspeita; mas que o recentemente abatido líder rebelde, Alfredo Reinado, tinha uma assessora jurídica, é pura comédia Montypyntoniana.
Segundo o site noticioso PortugalDiário, a companheira e assessora jurídica do major Reinado foi hoje libertada, depois de ter sido detida e ouvida pelo M.P. timorense, no âmbito do inquérito instaurado após os fatídicos acontecimentos da passada semana.
Reconhecer a patente de major a Reinado já era um exercício de ficção novelesca latino-americana; atribuir-lhe a aura de mártir rebelde cheguevariano era como designar Fidel o Ghandi de Cuba; mas conferir-lhe, ainda que postumamente, uma assessora jurídica, é pura ficção. Ficção de facto, pois parece que a jovem ainda (e só) frequentava o 1º ano de licenciatura, numa faculdade timorense.
Vamos aguardar pelos próximos capítulos. Talvez ainda apareça um chefe de gabinete recém alfabetizado e um (sempre indispensável) assessor de imprensa, recentemente desvinculado da SIC.

O país de calças arregaçadas

O país está a banhos. Não a banhos oceânicos mas pluviais. Entre as 4h e as 5h da madrugada foram registados em Lisboa 30 mililitros de precipitação - o que extravasa largamente as precipitações verificadas no caso McCann. O caos diluviano instalou-se um pouco por todo o país e já provocou uma morte e um desaparecido.
Interpelado o ministro do Ambiente (sem que se perceba bem porquê, há quem veja em Nunes Correia uma espécie de meteorologista-mor, quando o homem é mais do estilo "eu é mais bolos"), fica-se a saber que o fenónemo é da competência autárquica e que o estado de sítio se deve à falta de manutenção das infraestruturas urbanas. Ou seja: eu mando no Ambiente, com maiúscula, está a ver, não no ambiente, com minúscula; ambiente no sentido técnico ou lato, compreende?...Os problemas da chuva é com o pessoal das câmaras.
E tem razão. A pasta do Ambiente é mais ideias gerais (planos e redes ecológicas nacionais, plataformas de avaliação de impacte ambiental etc.); esgotos e sarjetas (urbanas, jurídicas administrativas e outras) é com as autarquias.
O problema é que, para os senhores autarcas, muito em especial para os da capital, tudo o que envolva sarjetas é como os Planos: uma questão de pormenor. O que importa é dotar a polícia municipal com trotinetes eléctricas e assegurar estacionamentos gratuitos na cidade para os milhares de ciclistas alfacinhas, como propõe a vereação do PCP. Ruas alagadas por causa das sarjetas entupidas são uma fatalidade natural, e depois, não andava o povo a rezar ao deus da chuva? Portugueses, arregaçai as calças! Portuguesas levantai as saias! Eis o apelo do Dr. Costa e Cª Lda.

sábado, 16 de fevereiro de 2008

As limitações significativas da ministra

Gosto de Maria de Lurdes Rodrigues. Aprecio a sua determinação e a fina resiliência com que tem executado a sua partitura num piano que a maioria dos seus antecessores sempre pareceu carregar. Enfrentou a corporação docente (a mais numerosa e acomodada da Administração Pública), resistiu aos ventos da contestação sindical sem tergiversar nem perder a compostura (nem a permanente), não vacilou perante as críticas e tem demonstrado verdadeiramente querer recentrar a Educação naquilo que é a sua essência e fundamento: o aluno.
Conduziu mal o caso Charrua, é certo (surpreendida pelo estalinistmo duma aparatchik do aparelho socialista, agiu tarde e acabou por apagar o borrão com uma borracha); não se viram ainda melhorias nos resultados escolares, é verdade (os rankings são mais um exercício de masoquismo nacional do que um estímulo para as escolas e a taxa de abandono escolar continua uma espécie de cifra negra); e o desnorte e a indisciplina graçam na comunidade escolar - sem que se prevejam grandes melhoras, com este novo estatuto do aluno (que não será mais que uma versão menos permissiva das teorias do bom-selvagem).
Mas as empatias, tal como as antipatias, nem sempre resistem a explicações, e a senhora ministra, sempre delicada e segura, lá foi conseguindo manter-se à altura das minhas (já baixissimas) expectativas.
Mas como é da natureza deste género de idílios entre governantes e governados, há um dia em que um gesto trai a pintura e, quando assim é, ensina a história que o traído é sempre o governado. E Maria de Lurdes Rodrigues não escapou à regra.
Esta semana, soube-se que, a pretexto de possibilitar uma maior integração dos jovens deficientes, o Ministério da Educação (para já, por via da DREL) começou a rejeitar o encaminhamento (e, consequentemente, o apoio financeiro) de crianças com algumas tipologias de deficiência para escolas de ensino especial, como até agora acontecia, estando a remetê-las para o ensino regular, sem que estejam garantidas as condições pedagógicas (nem todas as escolas dispõe ainda de professores suficientes para acompanhar estas crianças) e logísticas para o efeito.
De acordo com os pais, a culpa é da ambiguidade da nova lei que, de forma quase inintelegível, define alunos com deficiências particulares como aqueles «Alunos com limitações significativas ao nível da actividade e da participação num ou vários domínios da vida decorrentes de alterações funcionais e estruturais, de caracter permanente .» Na opinião da ministra da Educação, as novas regras visam possibilitar uma maior integração das crianças com deficiência no sistema escolar e não restringir o acesso ao apoio estatal.
Como qualquer admirador traído, tentando ainda perscrutar alguma bondade nas intenções da senhora ministra, eu diria que esta nova lei, ao contrário do que é dito por pais e professores, não restringe, de todo, o âmbito pessoal da sua aplicação. Antes pelo contrário. A meu ver, a nova lei é até (perigosamente) susceptível de abranger alguns sectores sociais até agora não contemplados. É que se o critério é ter-se limitações sinificativas ao nível da actividade e da participação, o risco de termos a maioria dos nossos deputados a proporem-se beneficiários elegíveis é altíssimo; e mais, se essas limitações decorrerem de alterações funcionais e estruturais, de carácter permanente, então não faltará muito para vermos alguns ex-boys desempregados acorrerem à 5 de Outubro a candidatarem-se. Porquanto, meus amigos, justiça seja (apesar de tudo) feita a esta ministra: se de alguma coisa padece esta lei, não será, certamente, de restritividade, mas sim de excepcional generosidade. Bem-haja, senhora ministra. Talvez ainda haja esperança para nós - já não digo uma esperança regular, mas suplectiva como o ensino da música com que parece querer acabar nos conservatórios.


quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Erros da Criação

Em Darque, freguesia de Viana do Castelo, uma criança com um ano de idade foi encontrada sózinha, semi-nua e com fome a gatinhar num quarto em que a mãe a fechara, na companhia de um cão. A criança já se encontrava sinalizada pela Comissão de Protecção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJR), por existência de indicíos de negligência e maus-tratos. Segundo a mãe, que só chegou a casa três horas após a vizinhança ter alertado as autoridades, a criança teria sido deixada entregue a um irmão adolescente, que entretanto se ausentara para ir "tocar bombo".
Os factos são suficientemente perturbantes para reduzirem qualquer comentário um mero exercício de indignação. Talvez por cansaço, entorpecido pelas façanhas do governo e pelas patranhas da oposição (e vice-versa), direi apenas que, há dias, em que dói mais ser um simples mortal ao ver os erros da Criação.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Cheques dourados

Parece que a juíza de instrução do processo "Apito Dourado" não terá assinado os autos das transcrições das escutas telefónicas efectuadas aos arguidos no processo. O vício, que constitui mera irregularidade processual, já se encontra sanado, após recurso para a Relação do Porto, mas vão continuar as arguições de nulidades.
Em processos "kilométricos" como este, a possibilidade de ocorrência de qualquer falha burocrático-administrativa é humanamente entendível. Depois de ler e reler e escutar horas e horas de conversação (porventura divertidíssimas, a avaliar pelas idiossincrasias de alguns dos intervenientes) sobre assuntos tão do interesse feminino como arbitragem futebolística, a última coisa que deve apetecer a uma jovem juíza é rubricar umas quantas centenas de folhas. Todavia, esquecê-lo, nestes processos, será sempre interpretado como um oportuníssimo lapso de palmatória - e um cheque em branco (neste caso, dourado) aos homens do apito e aos que os mandavam apitar.
À cautela, o major, por ora, ainda não apita. Compreende-se. Este processo é música de orquestra e o major está habituado a mandar apitar. Aguardemos então pelo quando e o quê o fará apitar.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Cavacos (pr)às tropas

Os veículos blindados recentemente adquiridos pelo Ministério da Defesa metem água pelos periscópios, pelos faróis e pela rampa traseira. As 50 000 pistolas adquiridas pelo MAI têm de ser modificadas, pois vinham preparadas para canhotos. Um F16 da FAP despenhou-se, na passada semana, em Leiria, após ter vindo da revisão. Não tivessem subjacente, cada um destes episódios da nossa hostória militar recente, investimentos públicos de centenas de milhões de euros (só os blindados custaram ao erário público € 364, 211 milhões) e até riria com gosto. Afinal, parece que acabei de transcrever um relatório do ministério da Defesa da Parvónia. Mas não, são notícias de cá, país da NATO com presença militar no Afeganistão, Balcãs, Congo, Líbano, Chade. Não fosse a reconhecida generosidade e profissionalismo daqueles que, no terreno, ainda vão honrando os pergaminhos castrenses e não passariamos de uma tropa fandanga comandada por umas quantas dragonas de Abril, a quem jamais se confiaria (ou compraria) um cavaco para combater.

sábado, 9 de fevereiro de 2008

A opereta da 1ª Liga

Paulo Bento diz que há bufos no balneário do Sporting. Já oiço alguém dizer: se o futebol português sempre fedeu, o cheiro tinha de vir de algum lado. Mas, ironias à parte, compreendo a indignação de Bento. Segundo ele, não se trata de uma fonte jornalística - fontes, para si, só a Luminosa -, mas sim de um bufo. Perante a gravidade da suspeita, só posso solidarizar-me com Bento. No seu lugar, e como sportinguista, também não admitiria aves raras no balneário. Isto se ele se está a referir à ave de passerelle do Miguel Veloso (bufo: ave semelhante à coruja, de acordo com o dicionário on-line Priberam). Porque se é uma alusão à delacção, aí o animal deveria ser outro - o chibo. Mas, se não me falha a memória, esse bicho é uma espécie de Bigfoot leonino, pois se muitos têm afirmado a sua existência, todos desconhecem a sua proveniência.
Enfim, impossibilitado de dar um murro no bufo, Bento veio a público dar um murro na mesa, com tranquilidade.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Os nossos hipocrates da medicina

Como em todas as matérias em que surpreendemos o justo a conviver amenamente com o injusto, é previsível que a indignação - mesmo quando legítima - se empreste à demagogia. Assim aconteceu com a história das remunerações dos gestores públicos (e privados) e assim sucede com a notícia dos incentivos financeiros pagos aos médicos que fazem transplantes.
Segundo tem sido noticiado, o Estado português (vale a pena sublinhar português) pagou, em 2007, € 23 milhões em incentivos, extra-vencimento, àqueles técnicos de transplantes. Alguns destes ajuramentados de Hipócrates, como Eduardo Barroso (presidente da Autoridade para os Serviços de Sangue e Transplatação - ASST), chegaram a receber € 30.000 por mês, de prémio.
Não seria justo, admito - até por solidariedade clubística -, concentrar críticas e disparar argumentos sobre um só implicado - mesmo que a conduta deste ilustre sportinguista, até por força das funções públicas que exerce, justifique alguns disparos mortais (por exemplo: o dr. Barroso confirma que opera cada vez menos e que fica felicíssimo quando os seus discípulos dispensam a sua presença no bloco operatório, contudo confirma só ter aceitado presidir à ASST se não fosse obrigado a abdicar do seu quinhão de incentivos - o que, a seu ver, será da mais elementar justiça, uma vez que exerce em exclusividade).
Como contribuinte é-me absolutamente indiferente que o dr. Barroso trabalhe exclusiva e, certamente, abnegademente no sector público. Não pôr a render no sector privado as suas competências clínicas foi uma opção - a que não terá sido alheio o facto de ainda ser nos hospitais públicos que se fazem transplantes - da sua inteira responsabilidade, tal como ser sócio do Sporting e não do FêCêPê. O que já me não é indiferente, como contribuinte e cidadão, é que profissionais técnica e estatutariamente independentes se arroguem credores privilegiados do Estado - e da comunidade - por uma opção de carreira que, de forma consciente e, por vezes, até negociada, entenderam ser aquela que melhor servia os seus objectivos profissionais e, legitimamente, os seus interesses pessoais. Se a lógica egoística subjacente a esta argumentação não dignifica a classe médica, a irracionalidade e a iniquidade deste esquema de incentivos governamentais (veja-se, a título de exemplo, que as unidades (recordistas) de transplantação de Coimbra, lideradas pelo Prof. Manuel Antunes, nunca usufruiram de qualquer pacote de incentivos) é, mais um exemplo, de absoluta incompetência governativa.
Mas a ineptidão é já um traço definidor dos nossos governos dos últimos 15 anos. Num país onde se espera 2 anos por uma cirurgia oftalmológica e onde o serviço de emergência médica não cobre todo o território nacional - dependendo da sempre voluntariosa mas, tantas vezes, insuficiente colaboração dos bombeiros -, que a grande maioria dos médicos, entre simpósios em Pipa e congressos no Maranhão, vão fazendo pela vidinha, não é já motivo de surpresa. O que me preocupa, porque me suscita prognósticos reservados, é a saúde da memória do velho Hipócrates, que para muitos clínicos deste país parece não ser já mais do que um busto decorativo esquecido numa qualquer prateleira do consultório, entre souvenirs e recuerdos.


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

O trilema de Alípio II

Enganei-me. Afinal, Alberto Costa está satisfeito com o director da PJ que tem. Segundo o Público, o ministro da Justiça reafirma a sua confiança em Alípio Ribeiro. Mesmo depois de este ter admitido precipitação dos seus inspectores na investigação do caso Maddie. Mesmo depois de este ter reconhecido precipitação por parte do M.P. na aceitação da proposta de constituição de arguidos do casal McCann. Mesmo depois de assumir que, hoje, à luz da sua experiência e da informação de que dispõe sobre o inquérito - ainda em segredo de justiça - não o teria feito. Mesmo depois de este ter pedido desculpas à ASFIC, pela sua precipitação. Mesmo depois de este ter demonstrado, até mais não, a insustentabilidade da sua manutenção no cargo. Mesmo depois de este ter revelado absoluto desrespeito pela instituição que dirige.
Em suma: se o ministro não tem vergonha e o director da PJ não é, de todo, envergonhado, das duas uma (ou as duas?): ou Alípio Ribeiro falou obrigado (expiando assim pecados da investigação? falando para inglês ver? suicidando-se publicamente para os McCann tropeçarem?) ou o ministro já devia ter sido remodelado.
Seja como for, de uma coisa não tenho dúvidas: estes não são o meu ministro da Justiça nem o meu director-nacional da PJ.


O trilema de Alípio

Confesso que não sei o que pensar do director-nacional da PJ, e das suas mais recentes declarações sobre o caso Maddie. Parte de mim, o meu lado benévolo e moderado, partilha da indulgência do taxista que me trouxe hoje ao emprego: "Saiu-lhe. Os jornalistas tanto o apertaram que o homem saiu-lhe.." Mas já o meu lado socrático de prático do Direito grita-me, indignado, entre perdigotos, como o professor Marcelo: "...gravíssimo!...(...) matou a investigação!" Isto se não der ouvidos ao meu lado Poirot e juntar-me àqueles que, apreciadores de intrincados enredos policiários, vêm na precipitação do Director da PJ uma obscura estratégia de investigação.
É, de facto, um dilema, ou melhor, um trilema formar uma opinião sobre Alípio Ribeiro. Se a sua imagem patusca, de diácono melífluo e trapalhão suscita-nos a mesma condescendência que dispensamos ao actor canastrão, a sua inabilidade, quase suicidária, para dirigir a PJ começa a revelar-se tão lesiva da imagem interna e externa daquela instituição policial e do ministério que a tutela que quase adivinho as palavras do ministro Alberto Costa, ao ouvir as declarações do seu tutelado ao programa "Diga Lá Excelência": "Esta não é a minha Polícia Judicária!"




terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

Churchill e Aragom

Segundo o jornal britânico Telegraph, para aproximadamente metade dos jovens ingleses com menos de 20 anos, Robin Hood foi uma figura histórica e Churchill uma personagem de ficção.
As extrapolações estatísticas são, por definição, falhas de rigor, mas estou convencido que semelhante inquérito, em Portugal, não obteria resultados menos risíveis: bastaria trocar Churchill por Spínola e Robin Hood por José Castelo-Branco.
A iliteracia e o desconhecimento histórico das gerações SMS é um fenónemo global há muito reconhecido e debatido: lembro-me do inquérito feito, há uns anos, às crianças novaiorquinas, em que estas respondiam que os ovos vinham do supermercado e o leite era feito de água e pó, e ainda tenho dificuldade em conter o riso quando me lembro da sondagem feita à porta da Faculdade de Letras de Lisboa, num programa da Teresa Guilherme, em que ninguém sabia quem fora Ramalho Eanes e se confundia Maria de Lurdes Pintasilgo com a padeira de Aljubarrota. Mas este não é, de todo, um fenónemo geracional recente. Basta colocar Bush frente a um mapa do médio-oriente, perguntar a Cavaco quantos cantos tem os Lusíadas ou pelos violinos de Chopin a Santana Lopes para o constatarmos. Tenho para mim que o fenómeno se deverá a uma espécie de miopia regressiva congénita que vem afectando a nossa memória colectiva. As nossas figuras da actualidade são-nos de tal forma próximas e, simultaneamente, destituídas de conteúdo que tendemos - veja-se, por exemplo, o bolivarianismo do fenómeno Chavez ou o discurso do "Eixo do Mal" de Bush - a procurar as nossas referências num passado idealizado onde a história passada se mistura fascinantemente com a história ficcionada.
Não se poderá prever - sob pena de cairmos no equívoco igualmente comum da futurologia histórica - quais as repercussões socio-políticas futuras deste fenómeno; mas suspeito que não haverá, neste mundo, nenhum Aragom à altura das ameaças do malvado Ahmadinejad, e, por mais que me recuse a aceitar, (ainda) não conheci nenhuma graciosa Arwen que me não fale da Floribella ou da Família SuperStar.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2008

CML - 1 APL - 0 (ou será - 1?)

A zona ribeirinha de Lisboa vai passar a estar sob gestão da Câmara. Vai?...Sim, vai. Ou pelo menos é essa a intenção na origem do protocolo assinado entre a autarquia e o Governo. Mas não foi sempre a câmara a mandar na zona ribeirinha da cidade? Não. Até ao passado dia 28, era a APL que punha e dispunha (e muito!) em toda zona. Então a câmara não tinha uma palavra a dizer sobre a Torre de Belém, o Padrão dos Descobrimentos, a Ribeira das Naus... - Nem sobre o Terreiro do Paço, o Cais do Sodré, a Doca de Santo Amaro etc. Mas quem são esses gajos da APL?
A pergunta talvez só tenha surgido agora na cabeça de muitos portugueses. E com ela veio a surpresa, a perplexidade. Mas é verdade. Até agora, era essa desconhecida sociedade portuária, a APL, quem administrava toda a zona ribeirinha de Lisboa. Até aqui, organizar um qualquer evento na Torre de Belém, só com a autorização da APL. Instalar um quiosque na Ribeira das Naus, só pagando à APL. Atracar um porta-aviões norte-americano em Santa Apolónia, só com o conhecimento prévio da APL. O que quer que se fizesse ou quisesse fazer à beira Tejo, só podia ser feito com a licença dessa entidade abstrata que ao longo dos anos se foi anonimamente preservando (e conservando) atrás da sigla APL. Lisboa, autarquicamente falando, ao contrário do que pensávamos, não começava e acabava no Tejo, mas um pouco mais atrás, para cá das vedações, das torres de contentores e dos Jerónimos. Daí para a frente, mandava a APL. Enfim, tinhamos de ser originais nalguma coisa, e assim, éramos talvez a única cidade ribeirinha no mundo cuja autoridade administrativa municipal não tinha qualquer jurisdição sobre a sua zona fluvial.
Mas no dia 28 parece ter sido, nas palavras de Sócrates, o momento da ruptura. Semi-ruptura, para sermos mais rigorosos (o rigor matemático nunca foi, de facto, o forte do nosso projectista primeiro-ministro), pois parece que ainda haverá zonas de gestão conjunta ou partilhada com a autarquia. Fazemos votos para que não seja também mais uma ruptura nas contas da CML. É que, segundo se noticía, a situação financeira da APL é tão sã como as águas do Tejo.

domingo, 3 de fevereiro de 2008

Telmo Correia, Lda

Segundo o Público de hoje, Telmo Correia, nas suas longuíssimas últimas horas como ministro do Turismo do Governo de coligação PSD/CDS, terá assinado 300 (trezentos) despachos que, segundo parece, se haviam acumulado na sua secretária durante os vários dias em que esteve ausente do ministério. Com a excepção do parecer da Inspecção de Jogos sobre o Casino Lisboa - verdadeira razão de notícia -, não se sabe de que tratavam as restantes centenas de documentos tão pressurosamente despachados - e, ao que parece, Telmo Correia também não.
A notícia, ou melhor, a extraordinária habilidade de Telmo para despachar - que suplanta, de caras, a capacidade absorvente do Prof. Marcelo para ler - fez-me lembrar as imagens dum concurso chinês, que vi no YouTube, em que se apurava a funcionária mais rápida a carimbar. Se bem me lembro, a vencedora conseguia a proeza recorde de não sei quantas dezenas de carimbadelas por segundo.
Ignoro se o dom de Telmo é inato ou fruto de prática aturada. Mas não tenho dúvidas que, a avaliar pelo tempo que qualquer decisor público demora a despachar uma assinatura, Telmo, encontrando-se actualmente inscrito no centro de emprego da Assembleia da República, bem que se poderia candidatar a um dos programas de financiamento do I.E.F.P., para constituir a sua micro-empresa de secretariado ministerial. Até já sei o slogan promocional e tudo: Telmo Correia, Unipessoal, Lda - Comigo o seu ministério anda a 300!
Ah, e se coisa corresse bem, até poderia propor sociedade a Paulo Portas, que também é conhecido por ter bastante jeito para trabalhos de reprografia. E bem negociado, lá para 2009, quem sabe, talvez consiga diversificar o leque de serviços, convidando Sócrates para dirigir o departamento de colagens e fotomontagens.

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2008

Discriminação ou engenharia social na Escola?

Um estudo sociológico esta semana apresentado na comissão parlamentar de Educação revela que a discriminação social é uma prática sistemática na escola pública portuguesa. Segundo um dos autores, o sociólogo João Sebastião, é prática instituída em algumas das escolas estudadas (em Lisboa, designadamente) usar-se como critério, quando da constituição das turmas, o histórico de sucesso ou insucesso dos alunos. Ou seja: os melhores alunos são integrados nas turmas da manhã, os piores nas da tarde. Mas diz-se mais e pior. Muitas destas escolas, fazendo muitas vezes uso de expedientes burocrático-administrativos, recusam sistematicamente matricular jovens cujo cadastro escolar se revela indigno dos seus pergaminhos. Resultado: sendo-lhes inexequível (e somente por isso, ao que parece), numa primeira linha, seleccionar os seus alunos por via da capacidade financeira dos seus progenitores, à semelhança dos colégios privados, algumas escolas públicas optam deliberadamente por fazê-lo com base no seu desempenho escolar passado ou, até, de acordo com a sua (suspeita?) proveniência geográfica.
As iniquidades e distorções sociais sinalizadas neste estudo - que logo inflamaram algumas úlceras nervosas na corporação dos docentes - denunciam (com a necessária mediação jornalística, claro está) algumas das patologias organizativas do sistema educativo nacional e tresandam inapelavelmente a inconstitucionalidade. Mas não constituem, para qualquer ex-aluno do ensino público, novidade. Digo-o com a autoridade de quem, aquando do ingresso no então ensino preparatório, viveu a angústia dos pais, trabalhadores executantes, quando viram a matrícula do filho, depois de proposta na escola do seu bairro de residência, administrativamente remetida para a escola...da sua área de residência, a cerca de 3 km de distância de casa. E afirmo-o com o conhecimento de quem, já na escola secundária da sua área de residência, foi aluno privilegiado de uma turma execepcional onde (até não) se destacavam duas filhas de professores da mesma escola e onde os professores mais "apaixonados" eram subtilmente aconselhados a maior moderação (canónica). Isto na década de 80 e na capital da nação.
Hoje, à distância que só a idade da paternidade permite, não sei em que medida ambas as experiências marcaram o meu percurso académico - o puto que temia a hora do recreio seria o mesmo se não tivesse conhecido o Sandro ou o Ângelo, bons-malandros à deriva entre baldas e fugas da Casa Pia? O aluno relutante que eu era seria o mesmo se não tivesse tido professores como o Chico Carreira, que declamava Yeats sentado no meio da sala, ou como o "Tintin", que exultava de paixão com a filosofia de Anaximandro e fazia greve convocando os alunos para a assistir a documentários de Carl Sagan? Sei apenas que se a escola selectiva significou, para mim, segurança e saber, a escola asselectiva significou solidariedade e auto-consciência. Mas sei acima de tudo que o que uma escola não me deu a outra não me negou, e o que uma me deu a ver a outra não me mostrou.
E sei - sabemos - que os muros, sejam eles de betão, políticos ou culturais, se protegem, também escondem e impedem de ver.