terça-feira, 10 de junho de 2008

O Apito Vital

Alguém me disse um dia que a perecerística jurídica era como a Alta Costura: uma actividade de luxo só ao alcance das maiores bolsas. Não fosse saber-se que a dimensão e, principalmente, o peso da bolsa ainda são condições sine qua non para se aceder a tão prestigiada actividade e dir-se-ia, ao ler alguns extratos do parecer do constitucionalista Vital Moreira, hoje publicados no DN, sobre o caso "Apito Final", que a nossa parecerística está a lançar-se no prête a porter.
Segundo o DN, a Comissão de Disciplina da Liga (CD) estará em posse de um parecer de Vital Moreira em que este eminente constitucionalista defende que o aproveitamento pela CD das transcrições das escutas telefónicas feitas a Pinto da Costa, em processo-crime, não viola a Constituição da República.
Curioso de conhecer os argumentos com que aquele professor de Coimbra sustentava a sua divergência não só da jurisprudência conhecida como dos seus pares penalistas Costa Andrade, Germano Marques da Silva e Damião da Cunha, pus-me a ler os extratos do parecer publicados. E banzei-me. No douto parecer de Vital Moreira, a CRP, no seu art. 34º nº 4 só consente, de facto, a execução de escutas telefónicas no âmbito de um processo penal, contudo esta norma não proibe nem absoluta nem expressamente a sua utilização fora do âmbito processual penal. Perceberam? Eu traduzo: para o constitucionalista a CRP proíbe as escutas fora do processo penal, mas não proíbe absolutamente, nem explicitamente a sua utilização fora desse âmbito. Ou seja: proíbe mas relativamente.
Mas o reputado constitucionalista diz mais. Certamente consciente da insustentabilidade juridico-constitucional da sua argumentação, Vital Moreita acrescenta que, se assim não se entender, ou seja, se se proibir absolutamente a utilização de escutas fora do âmbito processual penal, corre-se o risco de promover a impunidade geral!
Seria porventura fácil (ou talvez não) explorar aqui a contraditoriedade desta posição com o passado político do constitucionalista (que militou no PCP) e com os valores que (des) caracterizam a área política onde se situa hoje (PS). Mas não vamos por aí, pelas traseiras. Vamos pela porta da frente. E vamos pela porta aberta da anotação ao art. 34º da CRP que o próprio Vital Moreira faz no 1º volume da sua (e de Gomes Canotilho) CRP anotada. Não vamos obviamente (já passa da meia-noite e não trabalho na área da parecerística) transcrever a longa mas elucidativa anotação, mas vamos sugerir ao professor Vital que a releia, pois parece que, depois do parecer, talvez a deva rever. Ou talvez não, quem sabe. Talvez ainda venha a ter a oportunidade de produzir outro parecer em que se lhe ofereça a possibilidade de se retratar ou, juridicamente falando, de rever a sua posição. Por exemplo: uma empresa que decide fundamentar uma acusação disciplinar contra um seu trabalhador (que pretende despedir), utilizando uma certidão de transcrição de escuta a este efectuada num processo-crime de que teve conhecimento.
Aguardemos então, por novo parecer do professor. Pode ser que o fatinho que fez para um cliente já não sirva para o próximo.

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