segunda-feira, 16 de junho de 2008

O amúo da Nova Europa

Ao ver a mal contida irritação dos apóstolos do Tratado de Lisboa perante a irredutibilidade dos irlandeses, lembrei-me daqueles episódios da infância em que, um de nós, para surpresa do bando lá da rua, um dia decide teimosamente não alinhar na futebolada, confrontando assim os líderes naturais das equipas pré-constituídas com a relevância insuperável (e perturbadora) da unidade face ao todo.
Apanhados desprevenidos pela nega irlandesa ao tratado, os líderes europeus parecem ter amuado, refugiando-se num vexado silêncio. Obrigado a defender a honra do convénio, Durão Barroso, qual líder dos putos impedidos de jogar, cruzou os braços, fez cara feia e disse à Irlanda: "Se não jogas connosco, nós também não jogamos contigo".
E pronto, lá continuará a SGPS "Nova Europa", S.A. impedida de assumir a gestão do velho solar europeu, por força do voto contrário duma velha accionista relutante.
Nunca tive a pretensão de conhecer a solução perfeita para a querela "ratificação parlamentar vs referendária". Ambas as visões do problema sempre se me apresentaram como pertinentes e merecedoras de reflexão - pois se os riscos inerentes a uma ratificação parlamentar (pulverização do debate, aproveitamento do mecanismo para ajustes-de-contas político-partidários etc.) são reais - e, na Irlanda, parece que tiveram o seu papel -, a legitimidade da representação parlamentar é, inequivocamente, nos dias de hoje, suficientemente frágil (por força do incontornável divórcio dos cidadãos dos seus representantes políticos) para fazer qualquer líder político sério e responsável ponderar a adopção deste meio de ratificação dum tratado cujas regras, quer se queira quer não, não só elidem definitivamente do projecto europeu todas as prorrogativas de soberania nacional, como consagram indelevelmente a preeminência da Europa dos Grandes.
Assim, tendo prevalecido a europa dos interesses, era previsível que fossem os interesses a determinar o meio de ratificação aparentemente mais confortável e seguro.
A chatice é que a europa dos interesses esqueceu-se que existia a europa dos interessados. E a dos desempregados. E a dos subsidiados. E a dos explorados. E a dos decepcionados. E a dos simplesmente indignados.

Sem comentários: