Ao que parece, o juiz que decidiu devolver a menina russa à sua mãe biológica, retirando-a à família portuguesa de acolhimento, está arrependido. Arrependido não pela manifesta iniquidade da sentença que produziu, e que possibilitou a entrega de uma criança anteriormente considerada em perigo a uma mãe incapaz, mas porque, se fosse hoje, se tivesse hoje que decidir entre manter uma criança com uma família de acolhimento e entregá-la a uma mãe emocional e economicamente destituída de condições para a manter, não teria cometido "alguns excessos de linguagem" na redacção da sentença, como sejam utilizar expressões como "mãe serôdia".
Em consciência, ninguém questionará a imperativa vinculação do juiz à lei; por muito que doa a muitas famílias de acolhimento, o seu papel é, necessariamente, transitório, pelo que, não será sustentável, à luz das normas em vigor, presumir-se que tal estatuto poderá, com o tempo, converter-se em privilégio de adopção. No entanto, longe vão os tempos (ou assim desejamos) em que se exigia ao juiz que se limitasse a aplicar a lei, passiva e cegamente. Num Estado de Direito democrático, antes se pretende que este seja um intérprete sabedor da lei aplicável ao caso concreto, a quem se exige que atendenda a todos os factos e circunstâncias juridicamente atendíveis para a justa decisão da causa.
Ao que parece porém, o juiz deste caso, um esteta da linguagem, anda equivocado. A sua vocação não é o Direito, mas talvez a literatura.