sábado, 29 de março de 2008

(Ainda) a violência na escola

Depois das histórias das praxes e dos discursos-placebo e dos programas Escola Segura, o país parece afinal ter despertado para o fenónemo da violência escolar. Há mais de vinte anos que se insultam professores nas salas de aula, que os alunos se agridem e violentam e roubam uns aos outros, que se consome e trafica estupefacientes dentro das escolas (inclusivé nas salas de aula), que os pais deseducam e ignoram ou simplesmente não querem saber o que os filhos fazem ou deixam de fazer na escola ou fora dela - afirmo-o com o conhecimento que só a experiência cauciona, a experiência de quem, com 11/13 anos, temia o recreio e as faltas dos professores como se teme o pátio da cadeia no 1º dia de reclusão; a experiência de ter sido assaltado dentro e nas imediações da escola - e em frente à residência particular dum nosso ex-Presidente da República!; a experiência de ver um colega transferido para outro estabelecimento de ensino, a meio do ano, porque se temia a vingança da família de outro aluno de quem se defendera; a experiência de ter colegas que saíam da sala, a meio da aula, pela janela, perante a temerosa indiferença do professor - isto no final da década em que nos começámos a sonhar europeus!. Mas, 20 anos volvidos, foi preciso passar-se, em horário nobre, um vídeo "escolar" posto no YouTube, para indignar as consciências e animar o mercado político-mediático.
E a avaliar pelas notícias mais recentes (pelo que se notícia, a protagonista-docente, cavalgando o apoio popular, está a disparar em todas as direcções, multiplicando a sua ira em diversas queixas-crime; e a protagonista-discente, que, por agora, tem conseguido manter-se a salvo do assédio mediáto, não esperará muito para ver prorrogados os seus minutos de fama), este filme vai ter direito a sessões contínuas, como é típico do género cinematográfico em que se insere.

segunda-feira, 24 de março de 2008

Cavaco a banhos

Se alguém duvidasse ainda de que o nosso Presidente nunca tem dúvidas e raramente se engana, esta sua visita a Moçambique já terá convencido todos os descrentes. É que prevendo o clima incerto que tivemos este fim-de-semana prolongado, o Prof. Cavaco decidiu ir a banhos para Moçambique. Matou saudades dos coqueiros, recordou episódios idílicos e aproveitou para passear a comitiva empresarial. Mas já inovou, em matéria de diplomacia económica: foram assinados acordos de cooperação militar, o que, nas palavras do Prof. Cavaco, traduz um novo "olhar para outras formas de cooperação".

O mausoléu do PCP

Um ex-dirigente do PCP, Lopes Guerreiro, diz que reina "uma paz podre" no partido. Jerónimo de Sousa diz que não, "que não corresponde à verdade". E tem razão. Num partido em que, pelo menos desde 1989, se invocam cadáveres, já tudo apodreceu. Começando na ideologia, passando pela liturgia e acabando nalgumas mentes. Jerónimo de Sousa bem tenta arejar o mausoléu, mas há sempre o Bernardino Soares, jovem sacristão, a fechar os reposteiros da sacristia e a escumungar os vendilhões do templo.

Quando casar, não se esqueça: convide o Fisco

Uma sugestão aos nubentes portugueses: a partir de agora, quando fizerem a lista das pessoas a convidar para o casório, acrescentem mais três ao rol: o ministro das Finanças, o secretário de estado dos Assuntos Fiscais e, à cautela (não vá o homem acusar a desconsideração e mandar uma fiscalização extraordinária ao copo-de-água), o director-geral dos Impostos. De preferência, anexem a ementa do copo-de-água ao convite, para não dar lugar a dúvidas futuras e facilitar o cruzamento da informação fiscal. Não custa nada (assim como assim, se se convida a tia gorda e o cretino do chefe, também se convidam estes três emplastros) e sempre se adianta trabalho. É que, logo após o casório, o Fisco vai notificar os pombinhos para apresentarem as facturas dos comes-e-bebes; e se não as tiverem, lá se vai os €250 que o leilão das ligas rendeu. É que, segundo o Fisco, é mais fácil caçar pombinhos que patos bravos!

segunda-feira, 17 de março de 2008

Corrupção até à cova

Onze coveiros dos cemitérios de Benfica e Alto de S.João, em Lisboa, e um empreiteiro foram, na passada semana, constituídos arguidos por indícios da prática do crime de corrupção passiva. Num período em que a gorja, a gratificação, a imperial paga no café da esquina, o envelope das boas-festas ou das amendoas (é infinda a nossa criatividade eufemística para definir corrupção)está na ordem do dia, não é de espantar a notícia. Pois, afinal, quem nunca foi abordado pelo coveiro lá do cemitério, sugerindo-lhe que "uma camadazita de brita sempre impermeabiliza melhor a campa e dá outro aspecto. Quando quiser, já sabe" ? Ou até pelo agente funerário, que lhe diz: "Com os arranjos da campa não se preocupe. Amanhã, vá falar com o senhor Fulano de Tal e diga que vai da minha parte. Ele trata de tudo. Só tem de me dizer que tipo de pedra quer."
No que me diz respeito, nunca o fiz. Mas tenho muitas almas caridosas e temerosas ("eles são pagos para fazer, mas se não se der, não vão eles desprezar a campa..") na família que já têm ajudado a compor o vencimento daqueles a quem compete garantir que a terra nos é pesada.
Que estas práticas, socialmente toleradas e aceites, revelam muito da promiscuidade e do relativismo moral de que há muito enferma a sociedade lusa, a sua denúncia também demonstra o alheamento e a desorganização dos serviços da CML responsáveis pela gestão cemitarial - pois, ninguém - desde o vigilante ao portão dos cemitérios, passando pelos fiscais e terminando no responsável máximo pela gestão do cemitério - alguma vez suspeitou de que havia campas arranjadas por obra e graça da santíssima trindade sem que tivesse havido licença para o efeito? E, já agora, não poderia (e deveria) a CML informar os seus munícipes, de forma clara e inequivoca, das regras a observar aquando do arranjamento de campas? Ficam as interrogações, que são o que mais sobra nesta caso.

sábado, 15 de março de 2008

A ciência do mosquiteiro

Temo que o que se segue não passe de uma alarvidade. Que deva mais à ignorância que à perplexidade, mas vou correr o risco. Afinal, não é dos ignaros o reino dos céus?...
Ao ler a entrevista a António Coutinho - director do Instituto Gulbenkian da Ciência, recém distinguido com o Prémio Universidade de Lisboa e, segundo o Science Citation Index (sabem o que é? eu também não) um dos cem cientistas mais influentes do mundo -, publicada na VISÃO desta semana, dei por mim, duvidando do que acabara de ler, a reler a resposta dada pelo cientista quando perguntado pelo estudos que desenvolve sobre a malária. Segundo O dr. Coutinho, a equipa do instituto que dirige tem feito um esforço de investigação sobre a doença - que infecta entre 200 a 500 milhões de pessoas no mundo, por ano, em especial em África -, tendo já concluído duas ou três coisas (com) que ninguém contava: que não há motivo para temermos o "regresso" da doença à Europa por força do fenónemo do aquecimento global; que só se 3% da população europeia fosse infectada em simultaneo é que essa hipotese o era; e que se pode erradicar a doença de África (cito) "reforçando-se os mosquiteiros e tratando mais a população." Sim, leu bem. Uma equipa de cientistas portugueses, depois de meses (anos?) de estudos aturados e sob a coordenação emérita de António Coutinho, conseguiu provar (através de modelos matemáticos - a matemática está em todo lado, já asseverava, iluminadamente, uma minha professora do ciclo) que, para erradicar de África a malária é preciso investir em mais...mosquiteiros.
É uma afirmação tendensiosa e abusivamente simplista a minha - talvez. Assumo-o e, desde já, me persigno perante o mérito dos visados. Mas não causa perplexidade ver a Ciência sucumbir à prosaica simplicidade (e utilidade) do mosquiteiro? Não parece que a montanha acaba de parir um rato, ou um mosquiteiro?
Mas, para além de repudiar previsões tremendistas e fazer a apologia do mosquiteiro, António Coutinho deixa-nos uma nota de esperança científica: nunca será possível fazer a vacina contra a malária. Bem-haja, Dr. Coutinho.

quinta-feira, 13 de março de 2008

O animal em nós

Estudos científicos recentes demonstram que muitas das nossas acções morais são ainda reminiscências comportamentais daqueles nossos antepassados que os criacionistas teimam em ignorar. Por exemplo: a perturbadora empatia que sentimos para com os pais da Maddie ou do Rui Pedro é muito semelhante à reacção de um chimpazé quando confrontado com o choro da sua tratadora: o choro, ainda que simulado, leva-o a representar a existência de um ataque à mão que o alimenta, o que lhe sugere uma ameaça à sua própria sobrevivência.
Isto mesmo constatou uma primatóloga holandesa quando, desanimada com os sucessivos insucessos para “educar” o chimpazé que adoptara, verificou, quase por acaso, que fingindo chorar este imediatamente descia do telhado de onde, até então, nada o convencera a descer, para, correndo furiosamente em círculos defensivos à sua volta, procurar o atacante imaginário.
Noutro sentido, a mesma conclusão se pode retirar quando nos confrontamos com determinadas situações limite, por exemplo, a hipótese clássica do bote salva-vidas que está prestes a naufragar, se não deitarmos borda fora um dos seus ocupantes moribundos; ou o dilema do cirurgião perante o sinistrado, que é também o violador da filha.
O nosso comportamento moral nestas situações, conforme vêm demonstrando diversos estudos psico-sociológicos, é, na sua essência, de auto-preservação, seja da nossa própria sobrevivência, seja a da nossa “tribo”, enquanto todo protector.
Porém, por muito interessantes que sejam os resultados – e são-no, de facto, não só pelo que revelam da nossa espécie, mas também pelo que sobre ela ajudam a explicar -, todos, de uma forma ou de outra, concordaremos que trazem pouco de novidade. Que nos identificamos até à morbidez com “os casos Maddie”, é um facto mais do que escalpelizado: basta ter (sobre) vivido, nos últimos tempos, onde quer que se tivesse acesso à imprensa (lembram-se da indignação que Cathy Maccan suscitou por não chorar em público ?). E que excluímos, discriminamos, hostilizamos e marginalizamos, quase sempre, por um sentimento (ou recalcamento) de auto-preservação da “classe”, do “grupo” ou do “sistema”, é uma realidade incontestável (e inconfessável), que já vamos dando por adquirida – basta divergir no PCP (ou, mais recentemente, no PSD), gritarmos vivas ao Sporting (ou a quem quer seja) nas Antas ou frequentarmos o metro de Lisboa em hora de ponta para o sabermos. Mas a que se deve então a prosa? Porque se é curiosíssimo reconhecer (ainda) no nosso quotidiano práticas comportamentais primitivas, é ainda mais delicioso verificarmos as formas (e fórmulas) que séculos e séculos de civilização vão criando, tantas vezes ingloriamente, para apagar (dominar e instrumentalizar) esses vestígios “vergonhosos” do nosso comportamento. Não que, com isto, pretenda fazer a apologia do “regresso à caverna” (ainda que muitos de nós pareçam nunca de lá terem saído - para desgraça da espécie) – abandonei todos os devaneios naturalísiticos na adolescência, depois de uma (única) experiência de campismo -, mas sou dos que pensam termos tudo a ganhar em não renegarmos a nossa condição animal, como se esta fosse uma “deficiência” degenerativa somente diagnosticável a determinados (e já catalogados) espécimes. Em suma: se os avanços científicos (já) me convenceram a controlar a minha condição de carnívero, os progressos e conquistas civilizacionais dificilmente vencerão a minha indomesticável propensão para a chanfana. - Mas calma, oh! xamãs do vegetarianismo: assim como não salivo perante um suflê de rabanetes, também confesso que me repugna carne mal passada. E o hipocondrismo dos tempos que, se me fez celebrar, com a mal disfarçada satisfação dos oprimidos vencedores, a Lei do Tabaco, jamais me levou a invocar um qualquer antepassado da idade da pedra, quando ocasionalmente sujeito aos fumos e aos aromas mais requintados expelidos pelos mais diversos fumantes desta era milenar.

quarta-feira, 12 de março de 2008

O mistério do estetoscópio

“PEDE-SE A QUEM, POR ENGANO OU INADVERTIDAMENTE, LEVOU UM ESTETOSCÓPIO NA CONSULTA DAS 16:30 DA PASSADA 4ª FEIRA, A SUA RÁPIDA DEVOLUÇÃO A ESTE CENTRO DE SAÚDE.”
O apelo, inusitado, tem estado afixado no Centro de Saúde de S. João, em Lisboa, e merece reflexão. Para que quererá alguém um estetoscópio? Algum clínico desvalido ou em começo de carreira? Terá o furto uma qualquer simbologia subjacente? Será um acto de revolta de um utente exasperado? Será um acto de terrorismo de um qualquer grupo radical pró-medicinas alternativas? Será um mero acto incontrolado de um(a) qualquer cleptomaníaco(a)? Ou estaremos perante uma simples partida de um(a) qualque engraçadinho(a)?
São perguntas que ficam no ar, disponíveis para todos os tipos de interpretações e utilizações excursivas e/ou abusivas. No entanto, suspeito que, quem furtou, não o fez “inadvertidamente”, mas sim, muito divertidamente.

segunda-feira, 10 de março de 2008

MEP: o partido do meio

Temos aí um novo partido. Movimento Esperança Portugal (MEP), de seu nome. A encabeçar, Rui Marques, ex-comissário para as minorias, homem do Lusitânia Expresso (aqui vou eu pra Timor, aqui vou eu cheio de pinta...lembram-se?) e da revista Fórum Estudante. Programa político: "transmitir esperança", "estar ao centro do centro político, entre o PS e o PSD", "construir pontes e sublinhar mais aquilo que nos une do que aquilo que nos separa". Slogan: "Melhor é possível".
Eis um programa claro e um slogan que fica no ouvido. Perante o nosso charco político-partidário, urge criar um partido que transmita esperança aos portugueses, que se apresente ao eleitorado disposto a construir pontes com as outras forças políticas - de preferência com assento entre elas -, que acredite - ou nos faça acreditar - que melhor é possível - mesmo quando pior já nos parece impossível.
Em suma: o MEP não é um partido político, é um partido penetra. Na melhor das hipóteses, um partido do meio - logo, das meias tintas. Faz lembrar aqueles indivíduos estupidamente correctos que, naqueles bancos para três do metro, fazem sempre questão de se sentarem no do meio, delicadamente indiferentes ao facto de, entre nós e o Jô Soares da outra ponta, só sobrar espaço para entalar o exemplar do Destak ali abandonado.
Mas, não nos iludamos: a avaliar pelo silêncio táctico do PS, talvez o MEP ainda venha a ser o "meio partido" do PS, que, com a sua velha tradição hospedeira, poderá com certeza dispensar um assento parlamentar a Rui Marques, criando assim a figura do "partido e meio" da democracia portuguesa.

sexta-feira, 7 de março de 2008

Chamem a polícia!

Portugal padece, de facto, de uma espécie de esquizofrenia social. E, já agora, de ingratidão também.
Ao mesmo tempo que se clama por mais segurança nas escolas, logo se vitupera as autoridades policiais - e os seus mandantes -, quando sabemos que aquelas, em vésperas de manifestação de professores, andam (in)discretamente (e a mando daqueles?) a visitar as escolas. Em que ficamos afinal, deputado Alegre? Não são os docentes quem mais sofre com a violência escolar? Então porquê tanta indignação, quando a polícia procura saber das intenções dos professores, em vésperas de greve? Não é isto próprio da "normalidade democrática"? Ver neste tipo de acções um intolerável meio de controlo policial e uma tentativa ilegítima de constragimento da liberdade sindical não lhe parece um pedacinho socrá.. - aliás, maquiavélico, deputado Alegre? Ai, ai, deputado Alegre, tem de ultrapassar essa sua crónica alergia a fardas. A nossa democracia já conta 33 anos, tem a idade de boa parte dos nossos jovens, e tal como eles está segura de si e do seu futuro e há muito que não ouve os conselhos dos nossos funding fathers - para não dizer que ignora mesmo quem estes foram.
Afinal, onde deixou a sua inocência poética, caro deputado?

terça-feira, 4 de março de 2008

A coroação presidencial russa

A Rússia deve ser - a seguir a Gondomar - o único sítio no mundo onde vale a pena votar. Sorteios de carros e electrodomésticos, concertos, sessões de karaoke, ofertas de bolos e bebidas quentes, entradas gratuitas em discotecas, transporte garantido até às urnas. As 86 autoridades regionais da Federação Russa não deixaram que faltasse nada aos mais de 100 milhões de eleitores que, este fim-de-semana, acorreram a votar para sufragar a coroação do príncipe herdeiro de Putin. Mesmo os workholics ou os simplesmenste preguiçosos não tiveram como escapar. Foram instaladas mesas de voto em fábricas e hospitais e mais de 450 mil polícias e militares estiveram nas ruas garantindo a ordem e uma expressiva participação cívica.
No fim, ninguém respirou de alívio - afinal, não havia razão para isso: não houve verdadeira concorrência democrática nem se tratou verdadeiramente de um sufrágio eleitoral, mas sim de uma coroação presidencial -; mas muitas costas folgaram, certamente, a avaliar pela determinação dos cassetetes na repressão dos contestatários habituais.
Ao ver o czar Putin e o príncipe Medvedev na noite da eleição, ambos vestidos de cabedal negro, sobre um palanque, não pode deixar de pensar que acabara de se fundar, não uma Rússia democraticamente sólida (o outro prato da balança mundial), mas uma espécie sofisticada de dinastia "Sauron".

segunda-feira, 3 de março de 2008

O segredo do Estado

A Assembleia da República - através de uma comissão a criar constituída pelo seu presidente e por dois deputados designados pelos dois maiores partidos - vai poder ter acesso a documentos em segredo de Estado. Nada a opor. Desde quando há segredos de Estado neste país? E a existirem, desde quando são segredo?
Num país em que processos judiciais aparecem no lixo e o "lixo" aparece diariamente transcrito nos jornais; num tempo em que sofisticados sistemas de espionagem internacional escrutinam e-mails e telemóveis (lembram-se do Echelon?) e ex-ministros constituem arquivos pessoais com base em documentos de Estado, o que tememos, afinal?