Sempre tive alguma dificuldade em compreender porque se entende em Portugal que só uma boa atuarda desperta consciências e suscita o debate. É como aceitar que só "uns abanões a tempo" conseguem chamar à razão os desatentos (leia-se, irreverentes). Refiro-me, obviamente, às nada ecuménicas declarações do Cardeal Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo, a propósito da religião muçulmana. Segundo D. José Policarpo, as jovens portuguesas devem pensar "duas vezes antes de casar com um muçulmano", pois "é meter-se num monte de sarilhos que nem Alá sabe onde é que acabam."
Não obstante admitir que o diálogo com a comunidade islâmica portuguesa é "muito difícil", o Patriarca de Lisboa não se conteve na expressão daquele que será certamente o seu sentir sobre o islamismo, mesmo sabendo que, como representante máximo dos católicos em Portugal, todas os seus desabafos tenderão a ser, compreensivelmente, tomados como a opinião do país católico que somos - o que é de lamentar.
Porquanto, e sob pena de compactuar com a imputação ao islamismo do odioso exclusivo do radicalismo religioso, só posso concluir que D. José Policarpo prestou um mau serviço aos católicos - mesmo quando (e porque) tentou atenuar o impacto das suas próprias declarações, ao considerar que (recorde-se, pese embora difíceis) as relações com a comunidade islâmica em Portugal são "habitualmente boas e simpáticas"; ofendeu injustificadamente uma comunidade religiosa que tem pautado a sua presença em Portugal pela discrição e pacífica integração; e descridibilizou (ou entrincheirou?) as suas próprias opiniões e, mais grave, a Igreja Católica, ao tentar a defender-se do impacto (e de si próprio) previsivelmente negativo das suas declarações com a ignorância religiosa dos portugueses.
Valha-nos a certeza de que também dos patriarcas é o reino dos céus.